sexta-feira, 24 de abril de 2009

Capitulo VIII



Capitulo VIII- O Mar


Mateus inclinava seu tronco sobre o parapeito enquanto Érica ainda observava o mundo - agora - bem acordado lá fora. Ele tentava fazer com que ela olhasse de volta para ele mesmo percebendo que a irmã não faria isso, não naquele momento. O céu – como ela havia observado – estava realmente deslumbrante e Mateus notara logo o que chamava a tenção de Érica: a cor roxeada que quase como mágica de algum artista habilidoso se entrelaçava com os fiapos de nuvem que ainda se mantinham de alguma forma presos ao grande teto azul da terra. Ela estava inquieta, como de costume é de se supor, mas seus olhos brilhavam mais do que num dia qualquer, poderia se dizer que seus olhos refletiam um desejo maior do que ela e que por alguma razão nunca foram notados por Mateus. Os dois permaneceram ali por muito tempo, quase que em algum êxtase, ela por observar tudo como uma imensa esponja aberta e ele por ser tomado pela intensa grandeza dos sentimentos da irmã. Irmã... Ele repetia a palavra calmamente e deixava o ar ser exalado tranquilamente por entre os lábios entreabertos. Gostava de sentir a leveza do ar e como o mesmo com tanta sutileza e vontade moldava a musculatura tão bem treinada da região da mandíbula e bochechas enquanto os olhos apenas observavam.


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Para a surpresa maior e quase íntima de Mateus, Érica sorria. Seus cabelos eram levados de um lado para o outro pela brisa suave que tocava com alguma delicadeza presunçosa sua fina linha do pescoço, a curva delicada dos maxilares e o delgado traço que separava a cor vermelha intensa dos lábios do branco translúcido e desatento de sua pele tão parecida com a que também o envolvia. A diferença morava nos traços. Riscas essas que pareciam aparecer mais para ele do que para ela que sim, sobrevivia para suas experiências internas e pessoais enquanto ele respirava por aquilo que sabia que vivia ali em algum lugar que não sabia onde mas que entendia que estava além dele próprio.


Érica finalmente exalava algo que dava mostras de alguma vontade real e absoluta de se comunicar, Mateus só não entendia bem com quem.


...A cada nova peça que cai, mais um amor que morre...”


Do que você está falando?”


...Falando? Não sei... achei que estivesse falando só para mim.”


Sua risada tímida trouxe um imenso véu de confiança sobre Mateus que agora sabia que poderia olhar bem nos olhos dela e ver o que antes não enxergava através dos sorrisos frágeis que por algum tempo mantinha sua fisionomia entretida.


O que você tem feito aqui fora?”


Tenho sentido o mundo.”


Ele tem sido generoso com você?”


Generoso?”


Seus olhos trocavam de cor como quem troca de chapéu em busca de um que combine melhor com a estampa da camiseta.


Generoso...sim, generoso como eu sou de volta.”


Generoso como você é para mim?”


O sorriso inocente se transformava em olhar cúmplice, em sabotagem conjunta.


Sim...”


Mateus agora mais próximo da irmã tocava com o dorso da mão contra a face de Érica que por sua vez não tentava mais se esconder, aceitara que não poderia ir para lugar algum, ali era seu lar, ele era sua moradia.



Érica havia finalmente se jogado contra si mesma, e por enquanto brincava com a consciência que havia adquirido entre os dedos, essa que era tão recém nascida que ainda tinha os olhos pregados e as mãos falhas. Jogando-a de um lado para o outro, repetindo movimentos e intenções, ela ali saciava sua vontade primal de qualquer coisa que se alinhasse repentinamente ao que alguém chamaria de si mesma, de self, ou simplesmente de É. Nunca havia experimentado a si mesma daquela forma e gostava do sabor. Mateus que a observava atento sentia algum alívio por perceber na irmã uma leveza não tão própria dela, atípica. Gostava do que via e sentia prazer em poder se sentir mais desligado dela, porque sim, esse brilho que se via sobre seus cabelos longos, olhos atentos e corpo agora firme e bem moldado estava finalmente desligado do dele, em pleno dia, e quem poderia ter adivinhado: em uma manhã de sol.


Érica agora se colocava totalmente de pé, de frente para o mundo vasto e reluzente e se punha a espreguiçar e estirar todo o seu ser, ele a observava admirado, como alguém se espreguiça com tamanho desejo de transgredir seus próprios limites físicos? A intenção era essa mas ela não tinha nome e nem consciência para aquilo, não sabia o que fazia e se o fazia era somente por instinto, ou mais por desejo de estar ali e de estar mais ainda ali do que jamais esteve. Assim que largou o corpo junto do suspiro intenso que seguiu a tensão de toda a musculatura e logo em seguida seu relaxamento, se virou de frente para o irmão e sorriu enquanto trazia os lábios até sua testa, o contato de lábios e pele, as mãos que até agora só brincavam com a consciência delas mesmas se embrenhavam nos cabelos arredios de Mateus. As pontas dos dedos e a pele que se mantinha tão distante do mundo por debaixo dos fios grossos marcavam a manhã com uma eletricidade fulminante, uma descarga daquelas que de tão intensas não conseguem mais do que manter todos aqueles sob seu poder com a sensação de pura retribuição. Era isso, o sentimento de gratidão revirava os estômagos de ambos e reformulava o ph do sangue que corria por suas veias. Reafirmava qualquer química que ainda rolava devagar entre peles e transpunha o sentimento que existia naturalmente entre os dois e entre o mundo que eles haviam criado.


Érica agora se concentrava em não se concentrar e caminhava de volta para dentro.


Mateus ainda permaneceu ali por alguns instantes que pareciam mais como eternidades encapsuladas em seus sonhos... num suspiro de desabafo carregado de dor e alegria, relatou a todos aqueles que não o ouviam em tom de certeza absoluta – como se qualquer coisa que fosse poderia ser absoluta.


É um mar, eletricidade em forma daquilo que foi gerado do pó... está bem, deixo.”


De dentro do pequeno apartamento o movimento daquilo que era o vulto de Érica fazia seu olhar se voltar para aquilo que ficou para trás das grandes portas de correr. Sua irmã estaria agora preparando o café da manhã, pensava.


Sem protestar nem mesmo esperar ser chamado, hoje ele faria diferente: estaria à mesa antes mesmo dela, pronto para a servir como fazem os homens que amam.




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