Capítulo II – Passos,Dados
Os passos apressados enchiam os as paredes altas e antigas daquele prédio. Pés que, quase juntos desciam a escada, sempre juntos estariam – outro pacto. Ela tirava dele a comida que precisava para alimentar sua falta de prazer em viver. Ele por conseqüência arrancaria dela o que precisava para realizar suas insônias e transformar suas noites em pura arte. Seus corpos, por mais feminina que Érica fosse e mais masculino que Mateus fosse, eram parecidissimos. A forma de andar, a mania irregular de deixar os cabelos caírem sobre os olhos quase sempre mal abertos, o jeito com que entortavam o tronco caso vissem algo que os dessem vontade de sair correndo, tudo era presente nos dois ao mesmo tempo que se forçavam a viver dentro de suas diferenças. As mãos, imensas eram as diferenças entre as mãos dele, dela. Algo que costumavam esquecer de prestar atenção. Na rua, muitos olhavam enquanto os dois passavam. Eram de fato uma alegoria de tudo que faziam deles especiais um para o outro. Os cabelos, a maneira de andar, o certo ar de superioridade que se existia era porque realmente imaginavam estar em algum lugar onde todos aqueles que passavam em volta não poderiam estar, um lugar onde a pouca luz manteria o mais tolerante dos mortais fora de órbita. Mas, poucos entenderiam, Mateus e Érica preferiam manter tudo quieto, tudo preso na inconstante porém bem proporcionada masmorra em que viviam. O tempo seria o bom juiz, mas se fosse um ruim também não faria diferença.
Eles paravam diante um pequeno prédio de tijolos vermelhos, uma raridade naquele centro movimentado e cinza, pouco diferente deles mesmo. Mateus olhava bem dentro dos olhos de Érica e sorria calado. Ela beijava a ponta de seu nariz e o contornava com carinho, antes de entrar ela o chamava:
“Matty...”
“Sim?”
“O céu...”
“...Pode deixar.”
Sem se olharem por muito mais tempo, Mateus caminhava pra longe enquanto a porta de madeira pesada batia com violência depois de Érica ter entrado. Mateus se afastava como se afastavam os sons demais que lá fora se agitavam. Ela subia as escadas, agora sozinha o que significava mais do que estar sozinha fisicamente, denotava um momento de angústia que prolongado por todo o dia ressurgia ao topo de todo o desespero alguns minutos antes de se reverem, nos exatos minutos antes de ouvir o assobio que Mateus costumava realizar ao chegar para buscá-la. Isso aconteceria naquele dia, uma terça-feira qualquer alguns minutos passados das dezoito horas que era exatamente o momento certo antes de Érica perder o fio de qualquer coisa que a mantivesse presa a um cimento qualquer que seria a massa base para sua sanidade. Sanidade. Tinha essa palavrinha tatuada na nuca, lugar esse onde Mateus agraciava com algum beijo ou toque caso a irmã precisasse e geralmente aconteceria em algum momento da semana, do dia em que ficasse longe dele por mais tempo. O céu se arrendondava em chuva que traria trabalho.
Ele gostava bastante disso.
Os dois desciam a ruazinha que agora começava a ficar escura.
A mão dela que quase poderia ser confundida com uma pluma macia repousava sobre seu ombro direito. Era ali que ela ficava.