Capítulo I – Ele, Ela
Mateus. Érica.
Enquanto lavava a louça Érica cantarolava a canção que se ouvia vindo da sala. Mateus gostava de deixar a televisão ligada em canal nenhum apenas conectada às inúmeras formas de vídeo game que ele possuía. Érica fumava, enquanto o café lentamente escorria do antigo funil que era o auxiliar na feitura do café que os pais de ambos costumavam preparar todas as manhãs. Antes disso, teria sido da avó materna que por alguma virada do destino, acabou caindo num navio vindo para os Estados Unidos em vez de permanecer na Europa divida da segunda guerra. Entre palavras cantadas e tragos em seu cigarro, Érica pensava no rosto frio de sua avó. Gostava de se imaginar no lugar dela, vivendo e experimentando um mundo que jamais experimentaria enquanto Mateus não sabia bem o que queria. Ou melhor, já não queria muito mais do que continuar vivendo exatamente do jeito que vivia que seria confuso se não fosse tão simples: ele e ela, vivendo em um apartamento antigo, trabalhando apenas para pagar as contas e vivendo por viver. Mateus e Érica queriam viver por viver, viver sem muito o que viver.
“Alguém passou por aqui ontem a noite, sis?”
“Não, não porque?”
O silêncio de Mateus era compreensível. Nada havia para dizer caso soubesse logo tão prontamente que ninguém poderia fisicamente ter mexido em qualquer coisa que fosse dele. O café estava claro, pronto. Ela o chamava, quase quieta e por alguma obra da proximidade que ambos tinham, ele já sabia disso antes de ser chamado propriamente dito, porque enquanto ela abria a boca para pronunciar seu nome sua presença já era tangível e efetiva dentro da minúscula cozinha que fazia parte do ninho espetacular que os dois habitavam.
Enquanto Érica dançava de um lado para o outro, cigarro no canto da boca, pratos e talheres em mãos, Mateus a contornava como quem contorna um sonho, na ponta dos pés. Agarrava o leite na geladeira, posicionava a manteiga e o queijo no centro da pequena mesa no canto, se preparava para dividir tudo com ela. O sol despontava lá fora e o relógio tic tóqueava preso a parede. Com alguns movimentos e poucas palavras os dois se sentavam, jornal no colo dele, livro grosso sobre a mesa ao lado dela. Tinham uma verdadeira lista de pactos que viviam para que pudessem viver um para o outro. Quando se esbarrassem, precisavam parar tudo e notar de fato a presença do outro. “Nos esbarramos porque nossos corpos gritam por contato”, era o que Érica dissera outrora. Quando tocava alguma música que ambos gostavam imensamente, era necessário que se levantassem e começassem a dançar, de preferência juntos, mas agora não importava. Era de manhã cedo e eles se deleitavam na simples sensação de poderem estar ali. O sal, o açúcar, o céu. Todos que realmente faziam parte de suas vidas estavam presentes, seria um dia bom.