terça-feira, 9 de junho de 2009

Capítulo XIII – Janelas, Reflexos


Marianne carregava qualquer coisa envolta do pescoço que não parecia ser um simples enfeite. Nada nela parecia simplesmente posto ali, seria tudo parte de uma razão de ser que talvez por ser em Marianne fosse mais do que em todas as outras colegas de Mateus? Talvez. Alguma idéia ainda mais intrínseca à malha de sentimentos incoerentes de Mateus e que sem a frieza irregular e quase amorosa de uma presença que esperaria por ele até nos dias de maior inebriação, uma ponte se tornaria nada além de um espaço na terra ainda não atravessado e que hoje finalmente o seria.


Mateus ainda hipnotizado pelo pequeno penduricalho preso ao pescoço de Marianne que sem mais refletia qualquer feixe de luz, ou qualquer cor viva que se apresentava no caminho desapercebida do encanto que causava enquanto reverberado envolta do pescoço de Marianne.


Bom, você quer mesmo que eu o leve pra casa?”


A pergunta que, sem o menor esforço veio à tona resistiu dentro de Mateus o quanto pode. Ele tentava não olhar diretamente para ela, enquanto o carro que agora rosnava contra um infinito de silêncio exterior se movia dentro de um mundo que mal cabia dentro do seu olhar particular. O eco não existia. A pergunta morrera assim que assimilada pelo ouvido um tanto resistente de Mateus.


Não.”


Por longos segundos Marianne que sorria confiante de que essa seria a resposta, permanecia calada e certa de que já saberia para onde estava indo.


Vou para onde você me quiser levar.”


Ah. O bem que faz não se saber de mais nada além do seu próprio nome, e mesmo sabendo as letras que unidas formam o som pelo qual te chamam num dia de fúria ou numa noite de terror, tudo mais se desfaz em falta de tom por pleno medo. Medo de não viver o suficiente pois a limitação veio em forma de sons, calçados convenientes em um mundo de números ambulantes e pedintes.


Mateus esquecera da forma que seu nome possuía e sem mais nem menos resolveu... tentar.



***


Marianne morava em apartamento simples mas em um ponto da cidade completamente oposto ao que ele morava. O lugar parecia, assim logo de cara luxuoso. Janelas que eram na verdade as próprias paredes da sala de estar, poucos móveis – o suficiente para uma pessoa só – e poucas cores intensas. Tudo era preto no branco, branco perdido no preto. Mateus tinha pressa, quase que por acidente sentia o sangue lhe queimar por inteiro e a cor da mobília pouco o interessava. Marianne pediu que se acalmasse, que precisava lavar as mãos primeiro, que se fizesse confortável logo ali e que já voltaria. A porta do banheiro ficou semi-aberta, Mateus que mal conseguia se sentar respirava fundo. Involuntariamente a imagem de Érica parecia voltar a sua memória a cada segundo e algo não se encaixava inteiramente bem, tudo o que era para ser feito teria de ser feito ali, naquele instante.


A torneira anunciava algum movimento, a porta que rangeu de leve anunciou a entrada e entre um movimento irregular e um olhar de apetite irregular, Mateus lançou suas mãos pesadas sobre a cintura de Marianne que por sua vez se inclinou para receber a boca de Mateus sobre a sua. O gosto parecia ser recebido inteiro.


Pensei mesmo que você não se aguentaria...”


A saliva de um se misturava com o prazer do outro. Ele se colocava sobre ela que pesava contra a fria porcelana que continha a pia, os detalhes tão únicos que faziam de toda mulher uma mulher dela mesma. Finalmente Mateus sem nenhum sinal de paciência arrebentava com as mãos imparciais o sutiã preto que caía junto daquela que o vestia com o peso de Mateus a pressionando como jamais ela havia sentido.


O terror, o olhar reprovador de Marianne contrariando o dele no reflexo do espelho.


Mateus tentava não notar enquanto com pressa procurava roubar tudo o que poderia daquela que pouco se parecia com Érica.


O calor era intensamente reformulado pelo tamanho frio que Marianne sentia.

As grossas lágrimas que caíam repercutiam no ouvido quase humano de Mateus até que suas mãos, que antes prendiam Marianne contra sua vontade, voltavam ao seu rosto avermelhado e quente, o terror.


O terror que sentia.


(O reflexo do pingente que descansava sobre a porcelana fria.)


Marianne se levantava aos poucos, perdida no desgosto que observava desalinhar-se diante de si.


O reflexo de seu cabelo encaracolado que por momentos eram lisos e eram de Érica.


O pavor.


Mateus finalmente caminhavapara longe batendo a porta ao sair. Pela imensa janela da sala o sol começava a se apresentar novo e fresco enquanto o corpo cansado e perplexo de Marianne se lançava ao chão frio de um banheiro vazio.





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